sábado, 27 de setembro de 2014

TÚNEL DO TEMPO - DEZEMBRO DE 1996 - II



            Trazendo novamente mais um de meus antigos textos na seção "Túnel do Tempo", esta matéria foi escrita e publicada em 20 de dezembro de 1996, e o assunto era o sucesso dos desenhistas brasileiros no exterior, mais precisamente, no mercado estadunidense de quadrinhos, onde foram chegando aos poucos, e depois ganharam fama e respeito por lá, ao contrário do que acontecia em nosso país, onde haviam muito poucas oportunidades de ganhar a vida de maneira mais permanente com a profissão de desenhista de histórias em quadrinhos. Recordem agora como estava sendo, na época, a invasão do mercado gringo por nossos heróis do lápis...


COMICS MADE IN BRASIL

Desenhistas brasileiros invadem as editoras americanas e conquistam um dos maiores mercados de quadrinhos do mundo.

Adriano de Avance Moreno
 
Capa da edição N° 0 de Glory, da Image Comics: arte do brasileiro Mike Deodato Jr.

            Tudo começou aos poucos. Um título aqui, outro ali, publicados por editoras consideradas "menores" ou "pequenas". Mas, pouco a pouco, obstáculos foram sendo vencidos, mais pessoas se renderam à qualidade do trabalho, e enfim, conseguiram chegar às grandes editoras. Hoje, inúmeros títulos de quadrinhos do mercado americano trazem a arte de pessoas como Mike Deodato Jr., Roger Cruz, Luke Ross, Ed Benes, Joe Benett, entre outros.
            E o que isso tem de mais? Simples: todos estes artistas são brasileiros. E um verdadeiro contingente de artistas nacionais está invadindo as editoras de quadrinhos americanas e conquistando fama em um dos maiores e mais concorridos mercados do gênero no mundo.
            Tudo começou há poucos anos atrás, por intermédio do Estúdio Art & Comics, uma empresa criada com a finalidade de tradução e adaptação de histórias em quadrinhos americanas para as editoras nacionais. Aos poucos, porém, o estúdio passou a contatar as editoras dos EUA para agenciar trabalhos para artistas nacionais. Depois de muita insistência, conseguiram alguns trabalhos em editoras pequenas como a Malibu, Eclipse, Innovation, e Continuity Comics. Os títulos deste período que ficaram a cargo de artistas nacionais foram Deathworld (Mark Campos), Rainha dos Condenados (Cariello), a Bela e a Fera (Mike Deodato Jr.), Entrevista Com o Vampiro (Alex Jubran), Light Fantastic (Joe Benett), Lucifer Hammer (Rogerio Vilela), e Blood Is The Harvest (Luke Ross).
            Pouco depois, a Innovation e a Eclipse fecharam, e a repercussão de todos estes trabalhos nas pequenas editoras ajudou o Art & Comics a começar contatos com a DC Comics. O esforço deu resultado, e em 1993, a editora contratou o brasileiro Mark Campos para desenhar a revista "League of Justice" (Liga da Justiça), após ter sido aprovado em uma história de teste na revista "Darkstar", da mesma editora.

Liga da Justiça no desenho de Mark Campos.

            A invasão brasileira não parou por aí. Pouco depois, Mike Deodato Jr. assumiu o título "Wonder Woman" (Mulher-Maravilha), e arrasou na arte das histórias, dobrando a vendagem do título. Deodato, por sua vez, também fez a minissérie "Glory" para a Image Comics, que também foi um sucesso arrasador, especialmente pelos seus desenhos sensuais das super-heroínas, que fez os leitores americanos babarem, literalmente.
            Deodato, por sinal, é o maior astro da turma de brasileiros que estão conquistando os leitores americanos. No momento, ele está cuidando de nada menos do que 4 títulos mensais para a Marvel Comics: "Journey Into Mistery", "Incredible Hulk", "Ultraforce", e "Elektra". Para completar, o artista ilustrou também a edição especial "Hércules Vs Hulk", que está sendo publicada este mês nos Estados Unidos. Uma curiosidade sobre este paraibano de 32 anos é que, no início, ele achava que seus desenhos não teriam chance de serem aprovados por serem realistas demais. Depois de folhear algumas revistas da Image, teria ameaçado: "Esses caras que se preparem; vou ser melhor do que eles!" Verdade ou não, Deodato agora é o desenhista Nº 1 no quesito super-heroínas. E quem tiver dúvidas por conferir sua arte nas aventuras da Mulher-Maravilha que estão sendo publicadas pela Abril Jovem atualmente, na revista mensal Shazam!. E também na minissérie Glory, da Image, que está sendo lançada nas bancas nacionais também neste mês, pela Abril.
            Outro brazuca que arreipou os americanos é Roger Cruz, que desenha o título "X-Men" para a Marvel, e também o título "Youngblood" para a Maximum Press, de Rob Liefeld. Roger também fez a minissérie mutante "X-Men: A Era do Apocalypse", e desenhou também o título dos heróis mutantes mais antigo de todos: Uncanny X-Men.
            Mas a lista dos desenhistas tupiniquins inclui muitos outros nomes. E a valorização deles já é tão boa que o estúdio de Rob Liefeld, o Extreme, já contratou nada menos do que 6 brasileiros para desenhar seus títulos. Além de Roger Cruz desenhando o Youngblood, tem também Mike Deodato Jr. (Lady Spring), Joe Benett (Supreme), Hector Gomes (Battlestar Galactica), Fabio Laguna (Maximage), e Many Clark (posters, cards, e pin-ups).
            Na Marvel, mais um brasileiro brilha: Luke Ross, desenhando o título "Spetacular Spider-Man". Joe Benett, por sua vez, também cuida do título "Spider-Man Unlimited". Na lista de títulos da Marvel, "Spider-Man 2099" já passou pelas mãos de Luke Ross, enquanto o Motoqueiro Fantasma (Ghost Rider) e o Hulk (Incredible Hulk) também já tiveram a arte de Roger Cruz. "Ravage 2099" também já teve desenhos de Joe Benett.
Glory, no traço de outro brasileiro, Ed Benes.
            Ed Benes, desenhista atual do título "Glory", de Rob Liefeld, já listou no currículo os títulos "Flash", "Gunfire" e "X-Terminator", todos da DC Comics. Outro que também passou pela DC foi Cesar Lobo, que fez as edições 6 e 7 de "Judge Dredd". Pelo mesmo caminho foram os irmãos Octavio e Sergio Cariello, que desenharam títulos como o Exterminador e Black Lightining. Além de ilustrar a série Blood Child para a pequena editora Millenium.
            Outro nome bem cotado na DC Comics é Rodolfo Damaggio. Único desenhista brasileiro que mora no exterior (San Diego, Califórnia, EUA), Damaggio é o atual responsável pelo título do Arqueiro Verde, e já está escalado pela DC para fazer a quadrinização do 4º filme do Batman, atualmente em produção, e que deve estrear em abril de 1997 nos cinemas mundiais. Outro nome brasileiro que também está na DC é Al Rio, que faz a arte do título "Extreme Justice" para a editora. Klebs, outro desenhista brasileiro, já assinou o traço da série mutante "Excalibur", entre outros trabalhos diversos.

Arqueiro Verde e Lanterna Verde na arte de Rodolfo Damaggio.

            Hélcio de Carvalho, do Estúdio Art & Comics, admite que o início foi duro, pois os americanos estavam receosos com o profissionalismo dos brasileiros, depois de algumas tentativas malsucedidas com argentinos e filipinos. O ponto fundamental da credibilidade é o respeito pelos prazos. Isso, claro, sem comprometer a qualidade do material, embora o respeito aos prazos seja o principal requisito, pois também é muito importante.
            O Estúdio é quem faz o trabalho de intermediação: recebe os roteiros, traduz tudo e manda para os desenhistas. Estes, por sua vez, terminado o trabalho, mandam o desenho via Sedex para o Art & Comics, que por sua vez remete direto para as editoras americanas. E o endereço dos desenhistas brasileiros varia bastante: Deodato mora em João Pessoa, na Paraíba; Ed Benes é de Limoeiro do Norte (Ceará); Joe Benett mora em Belém (Pará); enquanto Roger Cruz reside no Butantã, em São Paulo capital; e por aí vai.
            Tanto sucesso já gerou algum ciúme entre os desenhistas americanos, que passaram a receber até instruções dos chefes das editoras para copiar o estilo de desenho dos brasileiros. E, para desespero da concorrência gringa, os artistas brasileiros ainda tem muito chumbo grosso para usar nesta guerra. Azar o deles!

Arte de Luke Ross para a revista Comics Generation.


PSEUDÔNIMOS

            Quase todos os desenhistas brasileiros usam pseudônimos para ilustrar suas histórias, com algumas exceções. Segundo Hélcio de Carvalho, há preconceito contra latinos nos Estados Unidos, razão da "americanização" dos nomes dos desenhistas brasileiros, salvo algumas exceções. Para uma exemplificação, segue abaixo uma relação da maioria dos artistas nacionais e seus respectivos  pseudônimos:

Nome Profissional (Pseudônimo)
Nome Real
Mike Deodato Jr
Deodato Taumaturgo Borges Filho
Roger Cruz
Rogério Cruz
Luke Ross
Luciano Queirós
Alex Jubran
Alexandre Jubran
Mark Campos
Marcelo Campos
Ed Benes
Edilbenes Bezerra
Joe Benett
Benedito José Nascimento
Klebs
Klebs de Moura e Silva Júnior
Al Rio
Álvaro Rio
Sergio Cariello
Sergio Cariello
Octavio Cariello
Octávio Cariello
Cesar Lobo
César Lobo
Many Clark
Manuel Clark
Hector Gomes
Hector Gomes
Fabio Laguna
Fábio Laguna
Rodolfo Damaggio
Rodolfo Damaggio


Desenho do título "Extreme Justice", na arte de Al Rio.


ATUALIZANDO: Quase 20 anos depois, hoje ouvir falar de desenhista nacional fazendo séries para editoras de quadrinhos no exterior não causa mais surpresa em ninguém. Passou a ser visto com naturalidade termos desenhistas nacionais produzindo artes para editoras estrangeiras. Continuamos tendo excelentes profissionais prestando serviços agora não só para editoras dos Estados Unidos, mas até da Europa, e o número de artistas brasileiros empregados fazendo quadrinhos até aumentou, sendo que vários deles participam de convenções nacionais e até internacionais do gênero. Novos nomes entraram no mercado, ao passo que alguns outros saíram, e teve quem saiu e depois retornou. Houve momentos de vacas magras, não porque deixamos de ter artistas talentosos produzindo quadrinhos, mas porque este mercado tem seus momentos de altos e baixos, como qualquer um. O que não mudou muito foi a realidade do mercado nacional: viver exclusivamente de desenhar quadrinhos no Brasil continua sendo uma tarefa inglória, e a única maneira de ter maior segurança e trabalho frequente é desenhando para o exterior. É verdade que surgiram oportunidades e projetos de quadrinhos nacionais publicados com mais frequência nos últimos anos, mas diante do número de profissionais de que dispomos, essas oportunidades infelizmente não são suficientes para empregar a todos.
            Assim, boa parte do pessoal tem que esperar, pelo menos no caso de quem desenha comics para editoras como Marvel e DC, ver o seu trabalho ser publicado aqui depois de ser lançado no exterior. E esperar que um dia se possa criar e desenvolver efetivamente um mercado de quadrinhos nacional que possa absorver todos estes talentos que surgem no Brasil. Mas vai ser difícil mesmo, pois a mentalidade das editoras, aliada às dificuldades e realidade do mercado, continua implacável. Ainda sai mais barato licenciar quadrinhos prontos do que desenvolvê-los por aqui. Mas, aos poucos, com iniciativas mais frequentes e ousadas por parte das editoras nacionais, além de novas ferramentas que a internet oferece hoje em dia, quem sabe isso venha a se tornar realidade.

Mike Deodato "estourou" no mercado americano desenhando o título da Mulher-Maravilha para a DC Comics.



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